Decisão do Ministro Ayres Britto, sobre a aplicação indevida da súmula vinculante nº 13 aos Procurad

Decisão do Ministro Ayres Britto, sobre a aplicação indevida da súmula vinculante nº 13 aos Procuradores do Estado e Delegados de Polícia
DJE n. 111 de 16.06.2009

DECISÃO: Vistos, etc.

Trata-se de reclamação constitucional, aparelhada com pedido de medida liminar, proposta pela Associação Nacional dos Procuradores de Estado (ANAPE), pela Associação dos Procuradores do Estado de Goiás (APEG) e pelo Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de Goiás (SINDEPOL), contra atos do Governador daquele Estado. Atos consubstanciados nos Decretos nos 6.888 e 6.891, de 02 e 07 de abril de 2009, respectivamente.
2. Arguem os autores que o Governador do Estado de Goiás, a fim de aplicar a Súmula Vinculante nº 13 deste Supremo Tribunal Federal, editou o Decreto nº 6.888, de 02 de abril de 2009, dispondo sobre ?requisito específico para a posse em cargo de provimento em comissão e celebração ou prorrogação de contrato temporário?. Decreto a que se seguiu o de nº 6.891, de 07 de abril do mesmo ano, que tratou de ?recadastramento dos servidores titulares de cargo de provimento em comissão da Administração direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo?.

3. Pois bem, insurgem-se os reclamantes contra os incisos IX e X do art. 1º do Decreto nº 6.888/2009 e incisos IX e X do art. 2º do Decreto nº 6.891/2009. Dispositivos assim redigidos:

Decreto nº 6.888/2009

Art. 1º. Quem for nomeado para qualquer cargo de provimento em comissão da Administração direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo deverá apresentar, no ato da posse, declaração por escrito negativa de vínculo de matrimônio, união estável ou parentesco em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, com os seguintes agentes públicos:

(…)

IX ? Procurador do Estado;

X ? Delegado de Polícia;

Decreto nº 6.891/2009

Art. 2º. Para os fins do art. 1º [recadastramento], os servidores titulares de cargo de provimento em comissão da Administração direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo deverão apresentar, até 30 (trinta) dias após a publicação deste Decreto, juntamente com cópia da Carteira de Identidade e do Cadastro de Pessoas Físicas ? CPF -, declaração escrita de possuírem ou não vínculo de matrimônio, união estável ou parentesco em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, com qualquer dos seguintes agentes públicos:

(…)

IX ? Procurador do Estado;

X ? Delegado de Polícia;?

4. Sustentam os autores a aplicação indevida da Súmula Vinculante nº 13 deste Supremo Tribunal Federal. Isto porque os decretos governamentais, nas partes impugnadas: ?a) presumem de forma absoluta relações de nepotismos não previstas no enunciado; b) atribuem pecha vexatória a carreiras constitucionais, em prejuízo da dignidade dos ocupantes dos cargos de Procurador do Estado e Delegado de Polícia; c) ferem o princípio da isonomia entre carreiras de Estado, à medida que a súmula estabelece impedimento na esfera da pessoa jurídica de direito público, que engloba todos os Poderes, e às demais carreiras constitucionais envolvidas, no lugar da presunção, exigiu-se a comprovação de benefícios ou nomeações recíprocas (nepotismo cruzado ? Decreto nº 6.888/2009, art. 8º); d) a Súmula não veda a nomeação de parentes de ocupantes de cargos efetivos; e e) em se tratando de ocupantes de cargos efetivos, os impedimentos devem se dar na esfera dos respectivos órgãos que organizam as carreiras constitucionais em tela, como ocorre em relação à magistratura e ao ministério público?. Daí requererem a concessão de liminar para ?suspender a aplicação dos decretos, nos pontos questionados?.

5. Feito esse aligeirado relato da causa, passo à decisão. Fazendo-o, pontuo que o poder de cautela dos magistrados é exercido num juízo prefacial em que se mesclam num mesmo tom a urgência da decisão e a impossibilidade de aprofundamento analítico do caso. Se se prefere, impõe-se aos magistrados condicionar seus provimentos acautelatórios à presença, nos autos, dos requisitos da plausibilidade jurídica do pedido (fumus boni juris) e do perigo da demora na prestação jurisdicional (periculum in mora), perceptíveis de plano. Requisitos a ser aferidos primo oculi, portanto. Não sendo de se exigir, do julgador, uma aprofundada incursão no mérito do pedido ou na dissecação dos fatos que a este dão suporte, senão incorrendo em antecipação do próprio conteúdo da decisão definitiva.

6. No caso, tenho como presentes, de plano, os requisitos necessários à concessão da medida liminar. A Súmula Vinculante nº 13 deste Supremo Tribunal Federal retrata a jurisprudência desta nossa Corte, que entende violar a Constituição da República ?a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qual quer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas?. A edição da súmula visou a concretizar os princípios constitucionais da moralidade, eficiência e impessoalidade na Administração Pública e tem contribuído para afastar do Estado brasileiro o patrimonialismo que se faz tão recorrente em sua história. A Constituição de 1988 não deixa dúvida de que o agente público toma posse no cargo, e não do cargo, e de que toda função pública é de ser exercida com o único propósito de favorecer o interesse igualmente público.

7. Muito Bem. Os Decretos nos 6.888 e 6.891, ambos de 2009, do Governador do Estado de Goiás, apontam na direção correta e aplicam, no âmbito daquele Estado da Federação, a Súmula Vinculante nº 13 deste STF. Sucede que, neste exame prefacial, o reclamado parece mesmo haver extrapolado o conteúdo da referida súmula, ao presumir a prática do nepotismo quando se der nomeação, ?para qualquer cargo de provimento em co missão da Administração direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo?, de cônjuge, companheiro ou parente, em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, de ocupantes dos cargos efetivos de Procurador do Estado e de Delegado de Polícia. É que a Súmula Vinculante nº 13 desta nossa Corte proíbe a nomeação de parentes ?da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento?. Observe-se, a propósito, que todos os incisos do art. 1º do Decreto nº 6.888/2009 e do art. 2º do Decreto nº 6.891/2009, com exceção dos impugnados nesta ação reclamatória, reportam-se a agentes públicos ocupantes de cargos de chefia, direção ou assessoramento.

8. Sendo assim, parece-me aplicação indevida da Súmula Vinculante nº 13 proibir a nomeação, para ?qualquer cargo de provimento em comissão da Administração direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo?, de parente de Procurador do Estado ou Delegado de Polícia que não ocupem função de direção, chefia ou assessoramento.

9. Ante o exposto, defiro a liminar para suspender a eficácia dos incisos IX e X do art. 1º do Decreto nº 6.888/2009 e dos incisos de mesmo número do art. 2º do Decreto nº 6.891/2009, ambos do Governador do Estado de Goiás.

10. Solicitem-se informações ao reclamado. Após, dê-se vista dos autos ao Procurador-Geral da República.

Notifique-se.
Publique-se.
Brasília, 08 de junho de 2009.
Ministro CARLOS AYRES BRITTO
Relator
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