CARTA DE GOIÁS-Plenária do XXXIV Congresso Nacional de Procuradores do Estado, promovido pela ANAPE

CARTA DE GOIÁS

Aos 23 dias do mês de outubro do ano de 2008, a Plenária do XXXIV Congresso Nacional de Procuradores do Estado, promovido pela Associação Nacional de Procuradores do Estado-ANAPE e organizado pela Associação dos Procuradores do Estado de Goiás-APEG, realizado na cidade de Rio Quente, em Goiás, aprovou as seguintes súmulas, referentes às teses apresentadas pelos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, nas Comissões Temárias:

I- Direito constitucional
1. Deve-se repelir a tese da relativização da coisa julgada material fora das hipóteses previstas na legislação, sob o risco de quebrar-se a simetria exigível no princípio da separação dos poderes.
2. Deve ser indicado um representante da Procuradoria-Geral do Estado para compor o colegiado gestor dos fundos estaduais de cultura.
3. Recomenda-se, a edição, em todas as esferas federativas, de norma específica tratando de todos os aspectos relacionados ao contrato de gestão com organizações sociais, atentando para as diferenças de objetivos (fomento ou transferência de execução e serviços), incluindo nesta lei, dispositivo que regule a seleção pública da entidade qualificada como organização social.
4. É cabível a atuação da advocacia pública no assessoramento da administração na elaboração de políticas públicas.
5. É imperioso que sejam outorgadas às Procuradorias dos Estados, pelo Poder Constituinte Derivado, as autonomias funcional, administrativa, financeira e orçamentária, assegurando-se, ademais, aos Procuradores dos Estados as garantias constitucionais aplicáveis às demais funções essenciais à justiça, sobretudo, a inamovibilidade e irredutibilidade de subsídio, fortalecendo-se o sistema de advocacia de Estado.
6. A súmula vinculante é capaz de garantir a estabilidade das decisões judiciais através da obediência aos precedentes, sem que este fato implique na obstrução ao avanço dos direitos humanos e da garantia dos direitos fundamentais, desde que o princípio da igualdade seja o norte balisador de tais decisões.
7. A emenda constitucional por iniciativa popular é medida que, a despeito da ausência de previsão constitucional, pode ser adotada pelos entes federados.
8. A edição de súmulas vinculantes impõe ao Poder Público a obediência às orientações emanadas do Tribunal como medida apta a prevenir a ocorrência de controvérsias judiciais, proporcionando maior eficiência na atuação administrativa.
9. A tripartição de poderes estabelecida pelo atual modelo constitucional não é óbice à existência de dialogo institucional entre o Executivo, Legislativo e Judiciário, cujo reconhecimento de competências mútuas revela o grau de desenvolvimento republicano.
10. Como direito fundamental que é, pode o exercício do direito de greve ser exercido pelos membros da advocacia publica, nos termos da Lei geral de greve (Lei n/7783/89) até que sobrevenha lei específica regulamentando a matéria.
11. Compete ao Estado-membro, especialmente por meio de sua Advocacia Pública, buscar formas de implementar os direitos sociais, especialmente a dispensa de medicamentos, como medida apta a superar o sistema individual de saúde proporcionado pela atuação do Judiciário.
12. O projeto de lei parcialmente vetado pelo Chefe do Poder Executivo somente deve entrar em vigor, unitariamente, após apreciação pelo Legislativo da parte então objeto do veto.

II- Direito Administrativo
1. No processo administrativo não sancionador não há propriamente “reformatio in pejus”, mas resultado da atuação do controle de legalidade administrativa. O agravamento da situação do administrado não acarreta inobservância dos princípios da confiança ou da segurança jurídica ou mesmo afasta a natureza de garantia que possui o processo.
2. As Procuradorias devem funcionar como instrumento democrático das relações do Estado e da Sociedade. O Procurador-Geral do Estado deve integrar como membro nato o conselho gestor de políticas públicas, assumindo o papel de negociador e condutor da deliberação coletiva do conselho.
3.É indispensável no novo modelo de Estado a efetiva participação do cidadão na formação da decisão da Administração, como resultado da efetividade na atuação funcional dos Procuradores do Estado.
4.Impõe-se a busca de novas formas de abertura cognitiva. Atende a este objetivo a proposta de Peter Haberle. A teoria em questão, apesar de resultar da hermenêutica constitucional pode ser estendida à interpretação de todo o ordenamento jurídico, inclusive, o direito administrativo.
5. A aplicação do pregão, como modalidade obrigatória de licitação, em razão da irradiação do princípio da eficiência sobre todo o ordenamento jurídico e atuação estatal, não decorre de determinações contidas em atos normativos, mas da própria imposição advinda do princípio constitucional.
6. É significativo ao princípio da transparência a adoção pela Administração dos termos de parceria com as OCSCIP´s, antecedido pela realização de procedimentos com aquelas entidades que irão firma-los com a Administração Pública e executa-los.

III- Direito Processual Civil

1. A ética e o interesse público compelem o Procurador do Estado a contribuir para uma prestação jurisdicional célere, sendo-lhe defeso interpor recursos protelatórios, medidas afrontosas ao interesse publico.
2. O art.522, caput do CPC não institui simbiose entre o juízo de admissibilidade e o de cognição sumários. São juízos diversos incidentes no mesmo recurso, realizados em momentos distintos pelo relator. No exercício do juízo de admissibilidade não poder o relator verificar se efetivamente há a referida lesão, sob pena de precipitado exame da necessidade de tutela de urgência, mas apenas examinar, se, em tese, a decisão seria passível de comportar dano ao recorrente.
3. A repercussão geral, requisito intrínseco de admissibilidade do recurso extraordinário a ser examinado exclusivamente pelo STF, por decisão irrecorrível, da qual deve caber embargos declaratórios por ser constitucionalmente garantido a todo jurisdicionado o direito a ter uma decisão completa, clara e precisa.
4. O juiz pode alterar a regra de distribuição do ônus da prova, estabelecida no art.333 do CPC, em casos excepcionais, como quando a atuação das partes não for capaz de levar a um conjunto probatório seguro, bem como quando há indícios de que outras provas se fazem necessárias à resolução da controvérsia.
5. Sequestro de rendas publicas. Requisição de pequeno valor. Ausência de fundamento legal. Necessidade de definição do instituto por lei nacional. Impossibilidade de utilização da analogia. 6. É cabível a realização de leilão eletrônico extrajudicial para excussão de bens penhorados do devedor da Fazenda Pública (art.689-A do CPC), em aplicação aos princípios da eficiência e economicidade, devendo ser realizado com exclusividade pelas Procuradorias-Gerais dos Estados e Distrito Federal mediante a disponibilidade dos respectivos instrumentos técnicos em seus sites institucionais, sendo-lhe devida a respectiva comissão de leiloeiros, sem prejuízo dos honorários advocatícios do Procurador do Estado.
7. Nas responsabilidades extracontratual e estatutária/ablativa, o ente público, de regra, só estará sujeito ao pagamento de juros moratórios após o advento do termo constitucional, atualizando-se monetariamente a dívida até este momento e com a cominação de juros moratórios apenas a partir de janeiro do ano subseqüente ao pagamento do precatório, pois eventual retardamento no adimplemento após este prazo seria considerado culposo, dada a certeza, liquidez e exigibilidade da obrigação estatal.
8. Na aplicação das máximas da experiência pelo juízo quando da apreciação e valoração das provas (art.335, CPC), além da análise de todo conjunto probatório, deve ser exigido do julgador o dever de efetiva fundamentação, como meio de controle técnico da decisão judicial, sob pena de nulidade.

IV- Direito Civil

1. É constitucional e sociologicamente adequado conceituar a família nuclear como a menor e mais densa rede social estável de que participam pessoais que, em geral, coabitam e se vinculam por laços culturais, afetivos, genéticos, econômicos ou jurídicos. As uniões homoafetivas podem constituir família à luz do referido conceito sociojurídico e também na perspectiva do parágrafo único do art.33 do Decreto-Lei n°220 do Estado do Rio de Janeiro.
2. A defesa da prescrição bienal em face da Fazenda Pública em ações que envolvam prestação de natureza alimentar consiste numa contribuição e um desafio para advocacia pública.

V- Direito Tributário e Financeiro

1. Tendo em vista que a fiscalização do orçamento público no Brasil tem no controle externo exercido pelos Tribunais de Contas uma de suas principais modalidades, é necessária a revisão das diversas Constituições Estaduais para adequá-las, no que for preciso, às normas constitucionais federais sobre fiscalização contábil, financeira e orçamentária;
2. Urge seja reconhecida a revogação do art.29, parágrafo único da Lei n°6.930/80 e do art.187, parágrafo único do Código Tributário Nacional, porquanto sua aplicação não foi recepcionada pelo disposto nos artigos 1°, caput,18, caput e 19, inc. III da Constituição Federal.
3. A Lei complementar n°118/05 e as Leis n°11.277/06, 11.280/06 e 11.383/06 (que trouxeram importantes alterações as normas do CPC referentes à execução de título extrajudicial) são compatíveis à Lei 6.830/80 e devem ser aplicadas ao processo de execução fiscal, em tudo aquilo que não contrariarem as suas disposições específicas (aplicação conjunta do princípio da subsidiariedade e da especialidade).
4. A nota fiscal eletrônica (NF-e), tem, por determinação legal, a sua autoria e integridade garantidas pela assinatura digital certificada por entidade credenciada pela ICP-Brasil, fato que, reforçado por modificações recentes inseridas em nossa legislação, com destaque para Lei n°11.419/2006, a figura do documento digital, confere-lhe inegável validade probatória, superior em eficácia até mesmo, à nota fiscal tradicional.
5. Os parágrafos 3° e 4° do art.78 da LC n°123/2006 não colidem com a ordem constitucional brasileira ou com ela guardam antinomia, uma vez, que ao limitarem a desmedida liberdade para baixa de microempresas e empresas de pequeno porte, conduzem-nas ao caminho mais reto em direção à garantia da função social da atividade empresarial.
6. A inaplicabilidade do art.739-A do CPC no rito da Lei n°6.830/80 provocaria um retrocesso na cobrança da dívida ativa, o que afronta a própria garantia consagrada no art.5°, LXXVIII da Constituição Federal, referente à duração razoável do processo, pois se agregado efeito suspensivo aos embargos do devedor, o prosseguimento da execução, quando pendente apreciação do recurso de apelação interposto da sentença de improcedência, dar-se-á de forma provisória, ex vi da nova redação conferida ao art.587 do CPC, que afasta, neste caso específico, o disposto a súmula n° 317 do STJ.
7. A fiscalização direta pelos Estados-Membros de sua receita originária oriunda da arrecadação de participações governamentais na indústria do petróleo, nos termos do disposto no parágrafo único do art.20 e do inc. XI do art.23 da Constituição Federal, não é mera possibilidade, e sim um dever, podendo ser editadas leis para procedimentalizar esta atuação (inc. I do art.24 da Constituição Federal), que em nada se choca com as atribuições da ANP, sendo, ao réves, harmônica e complementar, dentro da estrutura legislativa atual.
8. A adequada compreensão do princípio constitucional da capacidade contributiva somente é possível através de uma análise hermenêutica constitucional do sistema tributário e com exame de precedentes do Supremo Tribunal Federal, no que se revela em três distintas funções: a) como barreira à atividade estatal, em proteção ao individuo; b)como critério pra aplicação do princípio da igualdade, legitimando a tributação mais gravosa sobre expressões de riqueza mais salientes, e; c) como elemento de ponderação entre a extrafiscalidade e outras finalidades consideradas relevantes pela Constituição Federal.
9. A princípio, as leis interpretativas tributárias não retroagem, mas podem dispor para o passado se houver expressa previsão. O art.106, I do CTN deve ser interpretado conforme a Constituição, não incidindo nos casos em que a retroação implicar em ofensa ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
10. É impossível decretar a prescrição intercorrente em benefício do sócio-gerente responsável, contando-se o prazo a partir do ajuizamento do feito principal.
11.A inclusão do ICMS em sua base de cálculo ao tempo em que guarda pertinência com o fato imponível- operações ou prestação de serviço-; significando dizer que o valor tributável não pode ser outro senão o valor integral do negócio jurídico é, também, instrumento realizador de sua não-cumulatividade.
12. A inscrição em dívida ativa de crédito tributário prescrito fere os princípios da legalidade e eficiência, previstos no art.37 da Constituição Federal, não havendo interesse do Estado em executar créditos prescritos, pois se movimentaria desnecessariamente o aparato judicial, com conseqüente condenação em honorários advocatícios em favor do executado.
13. O percentual desvinculado pela desvinculação das receitas da União-DRU perde a natureza jurídica de produto de arrecadação de contribuições e confunde-se com produto de arrecadação de impostos, e portanto, o percentual desvinculado integra o bolo tributário que deve ser repartido com os demais entes federados. Os Estados, DF e Municípios têm legitimidade para pleitear o repasse de parcela daquele percentual de 20%da arrecadação das receitas das contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico desafetados de sua finalidade específica.
14. Propõe-se que, com aplicação do princípio da retroatividade, o art.3° da Lei Complementar n°118/05 somente seja aplicado para repetição de indébitos de tributos cujos pagamentos forem efetuados após a sua vigência, ou seja, após o dia 09.06.05.
15. A guerra fiscal não está a exigir reforma tributária – porque o mecanismo de exigência do ICMS pode ser modificado e controlado por via de legislação infraconstitucional- e que a raiz do problema não está na competência tributária dos entes federativos ou mesmo na sistemática de arrecadação do ICMS, mas, na inércia do Congresso Nacional em adotar as providencias.

VI- Direito do Trabalho e Processo do Trabalho

1. A vedação constitucional de acumulação de proventos de aposentadoria com vencimentos foi a única razão de decidir do julgado a ADIN 1770/DF, proposta em face do §1°do art.453 da CLT, sendo imperioso concluir-se que a concessão de aposentadoria espontânea ao empregado público ainda é causa necessária e justo motivo para extinção do contrato de trabalho celebrado com a Administração Pública. O dever do Estado de romper o vínculo com o empregado atende aos princípios constitucionais do concurso público, do livre acesso aos empregos públicos e da eficiência do serviço público.
2. A nulidade da relação estatutária- quer seja proveniente de cargo efetivo ou comissionado, quer seja proveniente de contrato por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público- não enseja a aplicação do enunciado de súmula do TST n°363, sob pena do Poder Judiciário, a um só tempo, por ato judicial afrontoso ao princípio da segurança jurídica, criar e extinguir, para penalizar o ente público, emprego público inexistente na administração direta ou autárquica.

VII- Direito Ambiental

1. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e os direitos culturais são direitos fundamentais, não havendo, por isso, hierarquia entre eles, cabendo ao Poder Público garanti-los a todos. Por essa razão, a criação de unidades de conservação de proteção integral de domínio publico, que não admitem a permanência de população tradicional residente em seus limites, deve ser precedida de procedimento administrativo que permita constatar a existência destes grupos na área afetada e, em caso afirmativo, avaliar a capacidade de suporte ecossistêmica.
2. A advocacia pública incumbe o desempenho das atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo, de tal forma que- havendo colisão de direitos-deve ela manifestar-se de tal forma que: a) haja coerência entre o direito fundamental a ser limitado e a finalidade que a norma deseja alcançar; b) a violação ao direito fundamental restrinja-se ao mínimo possível.
3. A cobrança pelo uso da água constitui uma nova fonte de financiamento e incentivo favorável à mudanças de comportamentos individuais, no sentido de resguardar o interesse coletivo. Esse sistema configura um desdobramento do princípio do poluidor-pagador, mas tem como natureza jurídica a de preço público, além do que possui duas categorias: a cobrança pelo uso da água bruta e pela devolução da água poluída aos rios.