Advocacia Pública e o combate ao Coronavírus: fé na Ciência e na Constituição

Não é novidade para ninguém que o mundo e o Brasil se encontram fortemente abalados, em suas bases fundamentais, pela pandemia, de proporções e consequências humanitárias, sociais e econômicas, ainda incalculáveis, decorrentes da proliferação do Coronavírus. Diante do inimigo comum da humanidade, um bom e seguro caminho a ser trilhado, em tempos de medo e insegurança sociais, é o da fé na ciência e na Constituição, da crença nas descobertas e orientações científicas que nos são repassadas diariamente pela grande mídia, potencializadas pelo uso dos recursos tecnológicos e inovadores, amplificados e socializados pela internet. Atitudes individuais e coletivas fora dessas diretrizes equivalem a quebrar o espelho por não gostarmos da imagem que ele reflete, agravando mais ainda a nossa situação planetária e brasileira atuais.
Sob outra perspectiva, a crise mundial decorrente do Coronavírus também nos oferece uma excelente oportunidade de reflexão a respeito do comportamento individual e social da criatura humana no século XXI. Em outros termos, das nossas relações interpessoais e enquanto membros de uma comunidade global de livres e iguais, com uma imensa oportunidade de darmos um salto quântico para um futuro planetário e brasileiro mais prósperos.
O Coronavírus nos convida a refletirmos sobre os valores mais elementares da vida individual e coletiva. Ao restringir a nossa liberdade, em razão do necessário isolamento social, nos relembra o valor das liberdades fundamentais mais básicas, como aquelas inerentes às possibilidades de ir e vir e de nos reunirmos. Ao nos afetar a todos, sem exceção, nos rememora o valor da igualdade essencial, inerente a todos nós, decorrente da nossa dignidade enquanto pessoas humanas, todas merecedoras de respeito e consideração. Do mesmo modo, ao exigir comportamentos, individuais e coletivos, visando à erradicação da pandemia, nos convida à reflexão a respeito do valor da solidariedade em

tempos de individualismo consumista, asfixiante e destruidor do meio ambiente, que será a causa da próxima crise planetária, se nada fizermos.
É uma excelente oportunidade para nos reinventarmos enquanto seres humanos e coletividade. Repensarmos o nosso estilo de vida. A crise e o quadro mundial e brasileiro de exceção que estamos vivenciando há de ser superado, como dito, com fé na ciência, e, também, na Constituição, com a adoção de atitudes individuais e coletivas que façam ressurgir ou nascer em nós um verdadeiro sentimento constitucional de liberdade, igualdade e solidariedade, conquistas da humanidade, que não podem – e não devem – ser amesquinhadas, nem mesmo diante do quadro de exceção mundial e brasileiro, como o atual decorrente do Coronavírus.
É aqui que entra a Advocacia Pública, essa instituição de natureza constitucional, consoante o art. 132 da nossa Constituição brasileira de 1988, que, de maneira silenciosa, célere e eficiente, vem, ao tempo da crise brasileira decorrente do Coronavírus, exercer as suas competências constitucionais, subsidiando, assessorando, auxiliando e controlando a tomada de decisões públicas emergenciais para o combate ao COVID-19, de modo a lembrar, constantemente, aos agentes políticos e governamentais, que eles, enquanto representantes do povo, podem e devem fazer muito para a superação da crise, mas não podem fazer tudo.
Leis e decretos excepcionais, contratações emergenciais sem licitação, requisições administrativas, intervenções estatais na economia, diversos tipos de fomentos públicos, contratações de pessoal sem concurso público, dentre outras medidas relevantes, passam e devem mesmo passar, como regra, pelo prévio exame de constitucionalidade e legalidade por parte da Advocacia Pública, em todos os níveis da federação brasileira.
Em outros termos, cabe à Advocacia Pública subsidiar juridicamente as decisões políticas e governativas de superação da crise brasileira, como vem fazendo muito bem, sempre considerando os limites e possibilidades de atuação demarcados pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, e, neste contexto, pelo Estado de Direito, pelos direitos fundamentais, pela democracia e pelo respeito aos demais núcleos orgânicos de poderes que, frise-se, sempre emanam do povo e devem ser exercidos em novo do povo e para benefício do povo.
Significa dizer: a crise brasileira do Coronavírus deve ser superada por dentro da Constituição, com respeito aos direitos fundamentais e à democracia, enquanto conquistas civilizatórias do povo brasileiro, que não devem ser malbaratadas. Daí porque compete à Advocacia Pública orientar políticos, governantes e gestores públicos, sob as luzes do constitucionalismo, da democracia, e da efetivação dos direitos fundamentais, acerca das medidas jurídicas a serem adotadas, sempre, vale repetir, com respeito à Constituição.
Nesse momento de crise, sobretudo, não existem decisões públicas livres de questionamentos. O que importa é que essas decisões, todas elas, respeitem a moldura da Constituição, que é a moldura do Estado Democrático de Direito, de modo que a crise não justifique qualquer medida excepcional adotada, como se sempre os fins justificassem os meios. Isso pode ser um passo perigoso para a retomada de esquemas sombrios e modelos autoritários do nosso passado recente e que, volta e meia, teimam por bater às nossas portas novamente, como verdadeira assombração. Daí, portanto, a importância do papel da Advocacia Pública, razão pela qual, qualquer comitê ou gabinete de crise que se instale, em qualquer nível federativo de poder, deverá, necessariamente, para o seu constitucional funcionamento, contar com a sua participação, de modo a revestir de plena juridicidade as difíceis medidas que estão e que ainda deverão ser adotadas para a superação da crise, que, como qualquer outra, desde o seu nascimento, traz em si o signo da transitoriedade e da finitude, e deve ser superada, repita-se, por dentro da Constituição e do Estado Democrático de Direito, enquanto conquistas civilizatórias indisponíveis e irrenunciáveis. Fora desses limites, há um risco de caos, barbárie, abusos, corrupção e autoritarismos institucionais, o que não se pode admitir.